Corpo



O corpo continua a ser uma das maiores lacunas da história. Ou seja, inquietos com a sua incontornável força, os historiadores remeteram-no para um sobranceiro e moralista silêncio. Uma História do Corpo na Idade Média, obra conjunta de Jacques Le Goff, principal continuador da escola dos Annales, e Nicholas Truong, antigo director da revista Lettre, vem levantar de novo esta questão. O corpo foi empurrado para fora da história preso a tabus e preconceitos.


Essa época escamoteou o corpo num jogo ambíguo, tapando-o e destapando-o, mostrando-o e iludindo-o. Sobretudo o corpo feminino, tomado como imperfeito, conspurcado pelo pecado de Eva. Como nos é lembrado nesta História, "Os Padres da Igreja e os clérigos preferiam a modelagem divina de Eva a partir da costela de Adão" e "da criação dos corpos nasce portanto a desigualdade original da mulher".
Desigualdade e pecado de Eva sublinhados no século XII por Hildegard de Bingen, abadessa, visionária, pintora, escritora e música. Mulher intensa, de cintilações e interioridades que, recusando o negrume do seu tempo, preferiu mergulhar na desmesura da claridade, que nos deixou ver nos seus escritos "Ó vara, ó diadema de púrpura real,/ és couraça em tua clausura." Ou: "Ó flor, tu não germinaste do orvalho,/ nem das gotas da chuva, nem do ar que te sobrevoara/ mas o explendor do Altíssimo em nobilíssima vara/ te fez desabrochar". "Ó vós, radiosas raizes, / que sustentais a obra dos prodígios/ e não a dos crimes". Voz feminina e única.
Antes de Le Goff e Truong, já Georges Duby fora absolutamente preciso neste ponto "A Idade Média é masculina. Todas as falas que me chegam e me informam são de homens convencidos da superioridade do seu sexo. Só a eles ouço." Mas, nessa ilusória superioridade, qualquer coisa falhava, e o corpo masculino, também ele, acabou por ser tocado pela ideia da vergonha e do desprezo, transportado para a imensa mancha de penumbra.
No limiar da Idade Média, o papa Gregório Magno qualificou o corpo de "abominável vestimenta da alma". E os monges, que na Alta Idade Média eram o modelo a seguir, mortificaram o corpo com pertinaz tenacidade jejuando, vergastando-se, usando cilícios, na vã tentativa de afastar a tentação, portanto o pecado. Como sublinham Jacques Le Goff e Nicolas Truong, "o pecado original (...) que figura no Génesis como pecado de orgulho e desafio lançado a Deus, torna-se na Idade Média um pecado sexual". Assim, "o corpo é o grande derrotado do pecado de Adão e Eva revisitado nesta versão."

A partir de suas experiências como é a relação com o corpo na atualidade? Experimente perguntar aos seus pais ou avós como era tratada a questão do corpo na adolescência deles.

Referência: 


Historia Do Corpo, vol .1

org.:  VIGARELLO, GEORGES

org.: CORBIN, ALAIN,

org.: COURTINE, JEAN-JACQUES

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